Há 525 anos, o navegador português Pedro Álvares Cabral e sua tripulação enfrentaram tormentas, calmarias e doenças. Dos 1.500 homens que zarparam de Portugal, apenas 500 conseguiram voltar, sãos e salvos, para casa.
"A praia das lágrimas para os que vão. A terra do prazer para os que voltam".
É assim que os portugueses costumam se referir ao Porto do Restelo, em Lisboa, de onde partiram as expedições de Vasco da Gama, em 1497 e de Pedro Álvares Cabral, em 1500.
Frota de Cabral tinha nove naus, três caravelas e uma pequena embarcação com mantimentos
Prevista para acontecer em um domingo, 8 de março, a partida da armada de Cabral, um fidalgo de origem nobre de apenas 33 anos, foi adiada, por causa do mau tempo, para o dia seguinte.
"Vale lembrar que 'fidalgo' quer dizer 'filho de algo', ou seja, 'filho de alguém' e Cabral era filho de uma família que, desde 1385, mantinha vínculos estreitos com a Coroa. Além do mais, casou-se com uma mulher riquíssima, Isabel Gouveia, neta de reis".
A frota de Cabral era formada por nove naus, três caravelas e uma naveta de mantimentos. Além do formato das velas, o que diferenciava uma embarcação da outra era o tamanho: enquanto as caravelas mediam 22 metros de comprimento e transportavam até 80 homens, as naus podiam chegar a 35 metros e tinham capacidade para 150 tripulantes.
"A frota era composta por uma variedade de profissionais: havia o capitão e abaixo dele, o piloto, responsável pela navegação, o mestre e contramestre, que lideravam os marinheiros e o condestável, que comandavam a artilharia".
Com o tempo bom e o vento favorável, Cabral e sua tripulação zarparam de Lisboa, rumo a Calicute, na Índia, no dia 9 de março de 1500. Curiosamente, o homem a quem o então rei de Portugal, Dom Manuel 1º (1469-1521), o Venturoso, confiara a maior, a mais cara e a mais poderosa armada portuguesa nunca tinha comandado uma esquadra antes..
A armada tinha como destino a Índia e tocou a costa brasileira por acidente. É possível que Portugal já suspeitasse da existência de terras naquela região, mas a verdade é que Cabral e seus homens foram apanhados de surpresa. A chegada ao Brasil foi, portanto, um acidente de percurso de uma jornada que tinha objetivos estratégicos bem definidos. A Índia era a prioridade número um da coroa de Portugal."
Com apenas oito dias de viagem, a frota enfrentou sua primeira tormenta. Tão forte que, próximo ao arquipélago de Cabo Verde, a nau comandada por Vasco de Ataíde, que transportava 150 homens, sumiu do mapa. A cada três navios que partiam de Portugal, um era "engolido pelo mar".
Não à toa, o Atlântico era conhecido como "Mar Tenebroso". "Além de perder um de seus barcos, Cabral teve de enfrentar, no primeiro trecho da viagem, 20 dias de calmaria", quando não há ventos para impulsionar os barcos e quando isso acontecia, a frota ficava quase totalmente parada no meio do oceano. Isso aumentava o tédio e o calor a bordo.
Ao todo, os 11 navios transportavam 1.500 homens, entre médicos, boticários, religiosos, calafates e até degredados, isto é, condenados à morte que aceitavam trocar sua pena capital pelo exílio em terras desconhecidas. Na maioria das vezes, eram os primeiros a desembarcar. Se fossem atacados por selvagens, não fariam muita falta.
Do total de 1.500 homens, apenas 500 conseguiram voltar, sãos e salvos, para casa. O restante morreu no mar, vítima de naufrágios ou de doenças, como o escorbuto, que provocava sangramento nas gengivas. Em algumas expedições, a proporção de médicos para marinheiros era de um para três mil. Viajar era tão arriscado que, antes de zarpar, muitos marujos já deixavam seus testamentos assinados.
A presença de mulheres a bordo não era permitida. Já crianças e adolescentes podiam embarcar. A maioria, de nove a 15 anos, era alistada pelos pais que, em troca, embolsavam o soldo dos filhos. Durante a viagem, desempenhavam as funções de grumetes e de pajens.
"A vida dos 'miúdos' a bordo era um inferno. Muitas vezes, eles sofriam abusos sexuais".
Por uma trágica ironia, na madrugada do dia 23 de maio, uma tormenta desabou sobre a frota de Cabral e afundou quatro dos 13 navios. Quatrocentos homens, foram "engolidos pelo mar" próximos ao cabo da Boa Esperança, chamado de Cabo das Tormentas.
Devido à escassez de água e comida, as condições de vida a bordo eram muito ruins. A mortalidade, em geral, girava em torno de 2% a 3% da tripulação, mas podia ultrapassar os 10% do total. Assim, os doentes eram logo aconselhados a se confessar e a receber a extrema-unção.
Os tripulantes não desfrutavam de qualquer conforto. Pelo contrário. Como os porões dos navios eram usados para estocar os tonéis com água, mantimentos e munição, os marinheiros dormiam no convés, ao relento, em colchões de palha.
Os momentos de lazer eram poucos. Enquanto uns improvisavam rodas de cantoria, outros preferiam jogar cartas. O cardápio dos marujos consistia em água (1,5 litros por dia) e biscoito (600 gramas diários). Já os capitães da frota, todos de origem nobre, tinham direito a vinho (1,5 litro por dia) e a carne e peixe (15 kg por mês).
Além das mordomias, os capitães ganhavam um ótimo salário. Só Cabral, o capitão-mor, embolsou 10 mil cruzados —algo em torno de 35 quilos em ouro. Quem não obedecia às ordens de seus superiores ou descumpria as regras da embarcação não era jogado aos tubarões, mas mandado, de castigo, para o porão. Infestado de ratos e baratas, o lugar era, para dizer o mínimo, uma imundície.
Ao todo, a jornada durou 44 dias. No dia 21 de abril, os marinheiros começaram a avistar os primeiros "sargaços" (um tapete flutuante de algas marinhas) nas águas e "fura-bruxos" (um bando de pássaros semelhantes a gaivotas) nos céus. No dia seguinte, a uns 60 quilômetros da costa, alguém gritou: "Terra à vista!". Era o entardecer do dia 22 de abril de 1500.
Depois de ancorar sua nau a 35 quilômetros da costa, em frente a um monte batizado de Pascoal, o capitão Nicolau Coelho (1460-1504) foi o escolhido para fazer o reconhecimento do território.
A bordo de um escaler, embarcação pequena, de proa fina e popa larga, movida a remo, ele presenteou os nativos com um gorro vermelho, uma carapuça de linho e um chapéu preto. Em troca, ganhou um cocar de plumas e um colar de contas.
Estima-se que, na época da chegada dos portugueses, havia entre 500 mil e um milhão de indígenas habitando o litoral brasileiro. "Eram pardos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse as vergonhas", descreveu Pero Vaz de Caminha (1450-1500), um dos sete escrivães da frota, na famosa carta do "achamento do Brasil". "Traziam nas mãos arcos e setas."
Antes de seguir para as Índias, Cabral e seus homens passaram dez dias no paraíso. No dia 2 de maio, partiram rumo a Calicute, deixando para trás dois degredados. Quando os navios desapareceram no horizonte, caíram no choro e foram consolados pelos indígenas.
O exílio dos chorões, porém, durou pouco: em dezembro de 1501, foram recolhidos pela primeira expedição enviada por Dom Manuel I para explorar a mais nova colônia portuguesa.
Os degredados não foram os únicos a permanecer no Brasil. Na calada da noite, dois grumetes, cansados dos maus-tratos a bordo, roubaram um escaler e fugiram para a praia. Nunca mais se ouviu falar deles.