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Pastores mirins causam rebuliço e atraem de admiradores a haters


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Especialistas dizem que participar de comunidade religiosa é bem-vindo, mas exploração é risco

Foto: Ilustrativa
Toda criança tem direito constitucional "de participar da vida social da família” inclusive atividades religiosas

"Tô com 15 anos e 1,2 milhão de seguidores hoje", diz Miguel Oliveira. Ele se apresenta como missionário e profeta. É um fenômeno típico da era digital, catapultado por vídeos como o que faz pedacinhos do diagnóstico de leucemia recebido por uma mulher.

"Eu rasgo o câncer, eu filtro o teu sangue e eu curo a leucemia", declarou à fiel desesperada.

 Miguel diz possuir o dom de línguas estranhas e inclusive balbucia um inglês ("of the king, the power"; do reino, o poder) no meio de algumas dessas manifestações, que evangélicos pentecostais atribuem ao Espírito Santo.

Há quem o ame e quem o odeie. O adolescente já foi chamado de "anticristo" e "meu herege favorito" nas redes sociais.

O Ministério Público diz, em nota, que a promotoria de Justiça de Carapicuíba, na Grande São Paulo, investiga ameaças contra o jovem.

Miguel de fato tem arrebatado multidões, de admiradores e de "haters". E não está só. Multiplicam-se pela internet vídeos dos chamados pastores mirins. São crianças ou adolescentes que assumem a liderança de cultos evangélicos, emulando em cadência e maneirismo os líderes adultos.

Pastor na Assembleia de Deus Avivamento Profético, em Carapicuíba, Miguel é hoje o exemplar mais conhecido dessa leva. Dentro e fora das igrejas, virou alvo ora de críticas, ora de admiração por declarações como a de que nasceu sem tímpanos e cordas vocais, portanto surdo e mudo, até receber uma cura milagrosa quando tinha três anos. Não mostrou laudos que comprovassem essa versão.

Há outros minipastores provocando rebuliço digital, alguns ainda na primeira infância. Viralizou a filmagem de um garotinho de terno gesticulando com dedo em riste: "Glorifica o nome do Senhor, porque ele vai abençoar esta multidão linda".

O vídeo foi replicado por várias contas de forma zombeteira, gerando cobranças para que o conselho tutelar aja e inúmeros chistes contra a criança. Um dos mais curtidos compara o menino a um "anão de 70 anos".

O diretor de políticas e direitos do Instituto ALANA, que zela por crianças e adolescentes, Pedro Hartung diz que toda criança tem direito constitucional "de participar da vida social da família e da comunidade" e em certos casos, "com protagonismo", inclusive atividades religiosas .

Agora, a fundamental ressalva: quando essa atividade "se transformar num espaço de exploração da presença da criança por meio da sua imagem, da sua presença digital, é uma outra discussão".

Aí sim é algo a se preocupar. "Ao expor a criança em situações vexatórias, e para várias pessoas, isso pode trazer consequências negativas. Ela muitas vezes não está preparada para lidar com a repercussão", diz Hartung.

Outro ponto digno de nota é quando esses pequenos influencers ganham destaque virtual e seu conteúdo é monetizado pelas famílias, pelas comunidades e até pelas plataformas que se beneficiam dessa exposição".

Ainda é preciso refletir sobre a "expectativa de performance constante" que pode recair sobre o menor de idade.

"A gente precisa lembrar que ser pastor no Brasil é um trabalho. São pessoas que dedicam a sua vida a pastorear uma comunidade. E se a criança ocupa esse lugar, a gente poderia entender essa atividade como analogia a um trabalho infantil religioso", afirma Pedro Hartung

Não que isso necessariamente vá acontecer. Cada caso é um caso, diz Hartung.

Sob o ponto de vista teológico, o apóstolo Estevam Hernandes, à frente da Renascer em Cristo e da Marcha para Jesus, é mais taxativo: para ele, não pode. E ponto.

O pastor Leôncio Ota tem dois filhos nessa categoria: João Vitor, 16 e Esther, 9. A caçula conta que viu o irmão e a mãe, também pastora, pregando. Bateu a vontade nela também.

"Acho legal, bonito, dá para ganhar muitas almas para Jesus", diz a jovem com quase 9.000 perfis que a acompanham no Instagram.

Com 1,4 milhão de seguidores, o irmão João Vitor é o mais pop da família. Preletor em cultos como "Mocidade Vivendo a Promessa", ele diz que começou a pregar com quatro anos. Não parou desde então

“Conheci sete países, já rodei o Brasil. É um dom desde pequeno. É algo que não não me vejo parando de fazer."

Leôncio, o pai da dupla, reconhece a "grande responsabilidade" que é ter crianças missionárias.

 "Mas nunca pode obrigar seu filho a fazer nada que ele não queira", diz. "Tem que vir da parte dele, né? E aí você dá uma cobertura espiritual, blinda."

As redes sociais dão projeção a um fenômeno que há tempos está aí. Kanon Tipton tinha quatro anos quando, em 2011, entrou no Guinness, o livro dos recordes, como o pregador mais jovem do mundo.

Ele ainda não havia completado dois anos quando apareceu num vídeo engatinhando até o púlpito onde seu avô liderava um culto. O bebê pegou o microfone e começou a balbuciar algo semelhante em entonação ao sermão dos pastores grandes.

Seus pais, na época, sublinharam o feito do filho com uma passagem do livro de Provérbios: "Ensina a criança no caminho em que deve andar e ainda quando for velha, não se desviará dele".

 

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Fonte: *Redação CN, com informações do Jornal Folha de São Paulo
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